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- Author, Paul Kirby
- Role, Editor digital para a Europa da BBC
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O partido Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) foi classificado como organização de “extrema direita” pelo Departamento Federal de Proteção da Constituição do país, o Verfassungsschutz.
“A visão em relação à sociedade baseada na etnia e na ancestralidade que prevalece dentro do partido é incompatível com a ordem democrática livre”, afirmou a agência de inteligência em comunicado.
A notícia chega enquanto o parlamento se prepara para votar na próxima semana para confirmar o líder conservador Friedrich Merz como chanceler à frente de uma coalizão com os social-democratas de centro-esquerda. Ele é líder da União Democrata Cristã (CDU), tradicional sigla de centro-direita que é também a da ex-chanceler Angela Merkel.
A dupla que lidera a AfD, Alice Weidel e Tino Chrupalla, reagiram ao anúncio argumentando que a decisão “tem motivações políticas claras”, que representa um “sério golpe contra a democracia alemã” e que o partido estava sendo “desacreditado e criminalizado” pouco antes da mudança de governo.
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Sob escrutínio
Já há algum tempo o partido estava sob escrutínio por suspeita de que tivesse inclinações extremistas, tendo sido inclusive classificado pela agência de inteligência como movimento de extrema direita em três Estados do leste, onde tem maior popularidade.
Em relatório, o órgão observou que a AfD não considera pessoas com “origens migratórias de países predominantemente muçulmanos” como membros da sociedade alemã com mesmo valor que os demais.
O vice-presidente da AfD, Stephan Brandner, classificou a decisão como “um completo absurdo” e disse que ela “não tem absolutamente nada a ver com a lei e a ordem”.
A ministra interina do Interior, Nancy Faeser, defendeu o posicionamento, afirmando que o Verfassungsschutz havia tomado uma decisão clara, inequívoca e sem “nenhuma influência política” após uma análise aprofundada e um relatório de 1.100 páginas.
A vice-presidente do Bundestag, Andrea Lindholz, disse que, por ter sido designado como grupo extremista de direita, a AfD não deveria ser tratado da mesma forma que outros partidos, especialmente no parlamento.
Devido ao grande número de assentos conquistados na última eleição, seus membros tinham boas chances de serem eleitos para presidir comissões parlamentares, mas Lindholz descartou essa ideia como “quase impensável”.
Política de isolamento
Após o sucesso nas urnas, os líderes da AfD chegaram a defender o fim de uma postura que há décadas predomina da forma tácita na política alemã de isolamento da extrema direita pelos demais partidos, estratégia popularmente conhecida em alemão como “brandmauer” ou em inglês como “firewall” (muro de fogo, em tradução literal).
“Qualquer um que erga esses muros de fogo vai se queimar atrás deles”, disse Tino Chrupalla.
Depois de dobrar sua parcela de votos em menos de quatro anos, a AfD continua em segundo lugar nas pesquisas de opinião, atrás dos conservadores de Merz, apesar de vários escândalos recentes, incluindo o de um membro de alto perfil que foi condenado por proferir slogans nazistas proibidos na Alemanha.
No início deste ano, Alice Weidel adotou o termo “remigração”, amplamente visto como a deportação em massa de pessoas de origem migratória, embora ela tenha rejeitado essa interpretação.
A AfD atraiu o apoio de figuras proeminentes do governo do atual presidente americano, Donald Trump.
Nove dias antes da eleição na Alemanha, o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, encontrou-se com Weidel em Munique e disse que não havia espaço para “firewalls“, alegando que a liberdade de expressão estava em declínio na Europa.
O bilionário da tecnologia Elon Musk teve uma conversa longa com Weidel transmitida ao vivo no X, quando pediu aos alemães que votassem na AfD. Ele reiterou as mensagens de apoio durante a campanha eleitoral.
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A agência doméstica de inteligência da Alemanha é responsável tanto pela área de contrainteligência quanto pela investigação de ameaças terroristas.
Embora se espere que a mudança na designação da AfD seja contestada na justiça, o relatório provavelmente levará a um relaxamento dos requisitos da agência para o uso de informantes e vigilância no monitoramento das atividades do partido.
Alguns políticos alemães chegaram a defender que a nova classificação deveria abrir espaço para que o partido fosse proibido.
A argumentação se apoia na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, a constituição mais recente do país, adotada quatro anos após a queda do regime nazista de Adolf Hitler, em 1949, que afirma que partidos que “deliberadamente minam o funcionamento da ordem básica livre e democrática da Alemanha” podem ser banidos se agirem de maneira “militante e agressiva”.
Órgãos domésticos de inteligência não podem pressionar pela proibição do partido – esse processo caberia ao parlamento, ao governo ou ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha -, mas a decisão do Verfassungsschutz poderia encorajar outras instâncias a dar seguir nesse propósito.
De saída do cargo, o atual chanceler, Olaf Scholz, alertou contra decisões precipitadas, mas Heidi Reichinnek, do partido A Esquerda, disse que ninguém poderia aceitar que “uma sigla que provou ser de extrema direita esteja lutando e destruindo nossa democracia de dentro para fora”.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Tribunal Constitucional proibiu apenas dois partidos, ambos na década de 1950.
A vice-presidente do Partido Social-Democrata (SPD), Serpil Midyatli, comentou que o que todos já sabiam havia agora sido reconhecido por escrito. “Está claro para mim que a proibição precisa ser imposta”, disse ela, de acordo com a agência de notícias alemã DPA.
Ela destacou ainda que os fundadores da constituição da Alemanha pós-guerra procuraram garantir que o país não afundasse novamente no abismo, referindo-se ao período do nazismo.